Maria Francisca - Blog da Maria Francisca Lacerda, escritora e poeta.

 29 de março de 2024 

 

Elevo meus olhos ao alto e vejo-te. Elegante, altivo, quase petulante. Imagino-te longe, bem longe, distante dos mortais, tamanha a tua beleza e imponência.

Crio coragem e resolvo visitar-te.

Subo aquela ladeira de pedra, a famosa Ladeira da Penitência, passo a passo, chego cansada ao alto, mas extasiada pela beleza do lugar. Olho ao redor, vejo o Exército, a Marinha, a Ponte, sigo o olhar para Vitória, seu belo mar, retorno o olhar para o Morro do Moreno. Só beleza.

Subo a escadaria, olho para o outro lado e vejo Vila Velha, seu mar, suas praias.

Fico ali pasma, banzando!

Entro na Igreja.  Sem sentir, ajoelho-me frente ao altar. Tudo é silêncio, convite à oração. O coração aquieta-se e penso em Maria: Nossa Senhora da Penha. Nossa Senhora das Alegrias está na Igrejinha de São Francisco, no Campinho.

A curiosidade, junto à religiosidade adquirida desde a infância, instiga o desejo de conhecer a tua história, Convento da Penha! Pois já não estás tão distante. Pareces amigo.

Nasceste de um sonho de Frei Pedro Palácios, Frade Franciscano, pela sua devoção à Nossa Senhora das Alegrias, cujo quadro trouxe da Europa e foi colocado na Igrejinha de São Francisco, lugar onde escolheu ficar, segundo a lenda. Diz-se que o quadro sumiu algumas vezes e sempre aparecia no alto do morro, entre duas palmeiras. Frei Pedro decidiu, então, que ali deveria construir uma capela, onde foi pendurada a pintura.

Depois, foste construído, sobre esse penhasco, e uma grande imagem de Maria, trazida de Portugal pelo mesmo Frei, fora ali colocada, com o nome de Nossa Senhora da Penha.

O escritor e historiador Francisco Aurélio (http://g1.globo.com/espirito-santo/festa-da-penha/2016/noticia/2016/03/lenda-de-imagem-de-nossa-senhora-conta-historia-do-convento-da-penha.html) afirmou  que o  nome foi dado pelo povo, uma vez que Igreja ficava sobre um rochedo, ou seja, na Penha.   Quem ia ao Convento dizia, segundo ele: Vou à Igreja que fica na Penha. E Maria recebeu o nome de Nossa Senhora da Penha e tu ficaste com este belo nome: Convento da Penha, guardado, desde sempre, pelos Franciscanos, devotos, como São Francisco, de Nossa Senhora das Alegrias.

Ficaste tão famoso com Nossa Senhora da Penha que todos os anos há uma festa que atrai milhares de pessoas, de todos os cantos do Estado e do País, para louvar Maria e, dizem, é a terceira festa religiosa mais importante do Brasil.

Hoje, moro em Vila Velha e vejo-te como amigo. Belo como sempre, mas perto, bem perto de mim, para admirar-te quando olho para o alto, ou quando te visito, subindo, arfando, tuas ladeiras, sempre em oração, aproveitando os momentos de paz e alegria, e daquela bela floresta que te rodeia, sempre sob os auspícios de Nossa Senhora das Alegrias.

De lá, vejo as cidades e admiro os prédios, as ruas, os mares… Faço minhas orações, contemplo o mundo, penso na vida, nos humanos e seus mistérios.

E sinto-me no céu.

Maria Francisca –  do livro: “Nossas Cidades: Corpo e alma.

 23 de março de 2024 

Neste verão,  estamos sempre falando do calor e das chuvas, que arrasam diversos lugares, caindo aqui, perto de nós, um pouco mais leve, apesar de fazer sofrer  pessoas de outros bairros.

Conversando com meu amigo José Luiz sobre essas questões, lembramo-nos daqueles  que sabem dizer se vai chover, se vai ter sol, pela simples  observação. Os “meteorologistas” práticos. Falei sobre o  rapaz que trabalha aqui no prédio e que  nós chamamos de meteorologista, porque ele fica a dizer: hoje não vai chover. Estamos com vento sul. Outra hora: hoje vai chover, o vento está virando…

Meu pai, um agricultor experiente e sensível, olhava para o céu e dizia: Hoje vai chover. Como sabe, papai? Névoa na serra, chuva na terra, dizia. E quando não vai chover, como é? Névoa baixa, sol é que racha…

E ele acertava sempre.

Mas há mais coisas entre o céu e a terra do que pensa a nossa vã filosofia, teria dito Shakespeare.

Exemplo: as benzedeiras. Elas benzem os trovões, conseguem abrandar o vento… Isso dizem os crédulos. Eu nunca vi. A única notícia verdadeira  que sei de alguém parar o vento foi Jesus.

Em lugares distantes, faltam médicos. Quem atende o povo? As benzedeiras, claro. Uma febre de uma criança, uma  alergia…O que fazer, se a pobreza não permite à pessoa levar o filho ao médico numa cidade, mesmo perto? Outro exemplo: As parteiras…  Todos nós, meus irmãos eu, viemos ao mundo por parteiras…

Das simpatias, todo o mundo conhece  histórias esdruxulas.

Fui procurar no google e encontrei coisas interessantes.

Por exemplo: Há quem ache que pode conquistar o coração de outra pessoa colocando o seu nome num pires com açúcar e acendendo uma vela. Também se pode colocar uma vassoura atrás da porta de casa quando um visitante indesejado vai embora, de modo que ele nunca mais volte. Há outras: . É o caso das ferraduras, dos pés de coelho, dos ramos de arruda e dos trevos de quatro folhas, espada de São Jorge que, segundo a sua simbologia,  é um escudo para a casa contra energias negativas, além trazer prosperidade aos habitantes.

Agora,  lá vem uma dessas  histórias, e essa é das boas.

Meu  amigo José Luiz Schneider contou-me esses dias, e garante que é verdade.

Ele tinha um sítio, onde criava gado. O  pasto era uma maravilha, sempre novo.  Era dividido em partes. Os animais eram levados para o lado onde o capim estava melhor. Ficavam ali, alimentando-se, até que ficasse liso, quando eram levados para o outro lado. Ocorria o mesmo, até a última parte. Quando voltavam para a primeira, o capinzal já estava pronto para alimentar, de novo, os animais.

Um dia, ele chegou ao  sítio  e o capim estava totalmente acabado,  destruído por um inseto chamado cigarrinhas-das pastagens. Esses insetos, quando pequenos,  sugam a seiva da raiz do capim.  E, quando adultos, comem o capim

E, agora, o que fazer? O empregado do sítio falou para meu amigo, muito envergonhado (porque estava falando com um conceituado médico,   como se não devesse falar aquilo e tal.) que conhecia um senhor que fazia uma simpatia,   e  as cigarrinhas  sumiam todas.

Sem saber o que fazer, meu amigo autorizou-o chamar o fazedor de simpatias, e voltou para a cidade.

Qual não foi a sua surpresa, ao retornar ao sítio depois de alguns dias e o capim estava novinho, totalmente recuperado.  Surpreso, ele perguntou qual fora o “milagre”.

O empregado contou-lhe: O “simpatista” abriu a raiz  da planta e tirou sete lagartinhas das cigarrinhas, colocou-as na palma da mão, e ficou rodando-as, enquanto as olhava firmemente, durante cerca de dez minutos. Vencido esse tempo, estava pronta a simpatia. E, segundo o empregado, as  lagartinhas estavam todas secas, mortas.

E o pasto voltou à vida!

Acredite, se quiser.

Maria Francisca – fevereiro de 2024.

 13 de fevereiro de 2024 

Hoje, na sala de espera de uma laboratório, onde fui acompanhar meu marido, fiquei a observar as pessoas, todas sentadas em silêncio, quebrado apenas pelo telão eletrônico, quando um robô vai chamando as senhas.

De vez em quando, aparece um técnico de carne e osso, para chamar o paciente que ali está sem a menor paciência.

Quando vou a qualquer clínica, levo sempre um livro. Esse dia, esqueci-me. Saí depressa, porque pensei estar atrasada…

O exame seria apenas depois das 9h. Ficamos ali a esperar e eu a observar as pessoas.  fazendo um passeio socrático diferente. Olhando, observando, criticando em pensamento (pode?). Após algum tempo, sentei-me.

O salão do laboratório era enorme e uma multidão silenciosa ali quieta. Todos com seu celular a postos. Vagava uma cadeira, chegava alguém, e sentava-se, sem sequer olhar para a pessoa que ali já estava. Homem ou mulher, jovem ou velho, da mesma forma.

Um tempo atrás, quando muita gente se encontrava num mesmo local, fosse em aeroporto, rodoviária, sala de espera qualquer, era sempre um barulhão de vozes, porque as pessoas conversavam. Hoje, ninguém olha nem sequer para o lado. Ligado em seu celular que, inadvertidamente, solta, de vez em quando, um barulho de algum vídeo.

Hoje, na rua, no calçadão, na igreja, em qualquer lugar, ninguém se  cumprimenta, a não ser os amigos. Eu até estou mudando meu estado de espírito. Eu, que cumprimentava a todos, estou deixando esse costume, porque, não há um rosto a me ver quando cumprimento.  E, se cumprimento assim mesmo,  não há resposta. Ninguém ouve, ninguém vê.

A virtualidade está tão presente na vida das pessoas, que os concursos literários têm feito alerta sobre textos por IA.

Frei Betto, alertava, numa crônica de 2010,  “Passeio Socrático”,  “Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos”…

Mais adiante: “Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais…”

Ele tem toda razão. A linguagem jurídica consagrara a máxima: “O que não está nos autos, não está no mundo”, a dizer, só valia, para o processo, o que estava nos autos.

Depois, com a evolução da internet, das redes sociais, o brocardo passou a ser: “O que está no mundo, está nos autos”, ou seja, as provas podem ser captadas em qualquer espaço virtual,  desde que certificada a origem.

A novidade é: “Se não está nas redes, está fora do mundo”, isso para os mortais que ainda querem, como eu, a vida ao vivo e em cores. Mas não me iludo. Cada vez mais a tecnologia toma conta de tudo.

E as pessoas ficam robotizadas.

Na Igreja, chego sempre mais cedo. Se entra um casal  e fica no mesmo banco, nem olha para meu lado. Eu olho, olho, e nada de alguém olhar, para receber meu cumprimento, parece que não há ninguém ali, exceto na hora da “Paz de Cristo”. Aí, todos riem, cumprimentam-se, na maior alegria.

Então, o melhor remédio é nunca esquecer meu livro,  quando sei que tenho que esperar algum tempo, nos consultórios médicos, por exemplo.

Pior, ou melhor de tudo, não sei, o livro que eu estou lendo chama-se “Vida ao Vivo”.

E eu quero Vida!

Maria Francisca – janeiro de 2024.

 

 

 

 19 de dezembro de 2023 

Caminhando pela rua, descendo a ladeirinha do Shopping Praia da Costa, muita gente por ali,  chamou-me a atenção um jovem senhor, com duas crianças.

No colo, uma menina, e, pela mão, um menino. Andavam depressa e o menino reclamando, sempre. Quero ir pra casa. Estou cansado… Preciso de colo também…

O pai, também cansado, creio, falava, falava, sempre a mesma coisa: Estamos quase chegando em casa.  E o menino repetia: Estou cansado, também quero colo…

O pai, exasperou-se: Caio, você não aprende?  Um menino desse tamanho…

Ao que o menino, choroso, disse: Ô, papai, eu sou pequeno!

Vi naquele apelo, o quanto o menino sofria.  Fiquei com vontade de pedir ao pai para carregar a menininha e ele poderia pôr no colo o menino, mas não tive coragem. Poderia ser chamada de intrometida. Ele estava educando seu filho etc e tal. Hoje, não se pode fazer nada. As pessoas andam armadas de unhas e dentes, e prontas para atacar você. Não entendem as boas intenções, pois o mundo anda tão ruim que bondade vira maldade.

Não sei se tenho razão, mas com base no que vejo, imagino que se a mãe estivesse na mesma situação, pegaria, sem aguentar, os dois no colo.

Mas e o pai? Não tem a mesma sensibilidade?

Fui para casa, pensando na frase: “Ô, Papai, eu sou pequeno!”

Quantas vezes nós não nos sentimos assim.  Na doença, na morte de alguém querido, quando a agonia pega a estrada, no dizer do Padre Fábio, dá-nos vontade de dizer a Deus: Ô, Papai, eu sou pequeno! Mesmo sendo grandes, velhos, escolados, sabichões…

E, muitas vezes,  nós nos esquecemos de que temos um Pai. Um pai amoroso que não se aborrece com nossas queixas, ainda que sejam minúsculas as nossas necessidades. Não vai dizer como o jovem pai que vi na rua! Não se exaspera e nem diz: Sossega, você está muito grande!

Por isso, não me canso de dizer como o menininho: Ô, Papai, eu sou tão pequena!

 

Maria Francisca – dezembro de 2023.

 

 

 26 de novembro de 2023 

 

Não há quem não tenha lido “O Pequeno Príncipe” de Saint- Exupéry, penso.

Pois bem. Uma bela cena, entre muitas,  foi do encontro da raposa com o Pequeno Principe. A raposa  quer ser amiga do Pequeno Príncipe  e, para isso, precisa ser cativada. Explica que os homens compram tudo pronto nas lojas.  E como não existem lojas que vendem  amigos, os homens não têm amigos.

Inspirada nessa cena, fiz o poema “Feira Inútil”, publicado em 2007, no livro “Sal, Pimenta e Ternura.”. Fui ao shopping tentar comprar um amigo. Fui todos os dias e, nada.  Então, feira Inútil.

Mas esses dias  li um artigo sobre Inteligência artificial que me deixou perplexa.  Antes, uma brincadeira de comprar amigos, com base numa ficção, agora é real?

Sim, compra de amigos, namorados. Real, aliás, virtual.

Camila Brandalise, do UOL, tem diversos artigos sobre esses relacionamentos estranhos. Estranhos pelo menos para mim.  Claro que já fiz curso sobre inteligência artificial, para provas em processos, já li muito sobre isso, e acompanho o desenvolvimento da tecnologia, que pode até escrever teses de doutorado, dissertações de mestrado, crônicas etc.

Mas essa de escolher um amigo ou namorado AI?

Pois bem. Camila Brandalise afirma que se relacionou com um AI  feito sob medida por ela. Escolheu até a roupa que ele usaria, pagando R$ 109,00 (cento e nove reais) por mês, no aplicativo Replika.

“No Replika, o usuário escolhe entre namorado, marido, irmão e mentor — todos pagos. De graça, só a opção amigo”, diz a repórter.

Segundo a reportagem, no Brasil, são mais de 100 mil usuários atualmente.

Uma usuária, em outro artigo, disse que, depois de dois meses de conversa com a Avatar que ela inventara, acabou um relacionamento de dois anos com um humano,  porque descobriu como gostava de ser tratada.

Brandalise conta que procurou a psicóloga Ana Canosa e perguntou se estava doida. Resposta: “Tudo está na sua cabeça. O que aparece é o seu próprio julgamento sobre você, sobre seus desejos, suas vontades. O julgamento da IA, mesmo, nunca vai vir”, disse.

Diogo Cortiz, professor na PUC-SP, doutor em tecnologias da inteligência, design digital e especialista em neurociência,  citado pela repórter, afirma que, em dez anos, esses relacionamentos serão comuns, porque a evolução é muito rápida e assusta até os pesquisadores da área.

Segundo esse professor, relacionamentos do tipo são bons para quem não aceita o diferente,  opiniões divergentes, não tolera conflito, já que faz o robô à sua imagem e semelhança.

Fico até com medo, quando ele alerta que “(…)questões sérias vão surgir. “Quem desenvolve essa tecnologia não está preocupado com a parte ética. Vai ter startup explorando a solidão e o abandono alheio e ganhando com isso”.

Pior é que a solidão campeia por esse Brasil afora. Até perto, muito perto de nós. Aí está o perigo, sim.

Eu leio, leio, esses artigos, fico perplexa  e penso: Eu, hein? Amigo virtual? O imaginário da minha infância foi-se, faz tempo…

Prefiro meus amigos humanos, mesmo os doidos, como já disse, com opiniões divergentes, briguentos etc.  Mas esse bicho aí? Tô fora!

 

Maria Francisca – novembro de 2023.

Ref. ‘Namorei inteligência artificial por 2 meses’: dá para amar um robô? (uol.com.br)

 

 19 de novembro de 2023 

Escrevo minha história

A cada dia, desde que nasci.

Caos e cosmos.

 

De um lado, trevas,  sombras

De segredos invioláveis

Solilóquio indevassável

Sofrido, remido.

 

De outro lado, luz,  silêncio,

Ajoelhada em oração

Longe do pedestal.

 

Na solitude, escrevo

Medito, leio, encontro-me.

 

Mas na solidão nasci

Na solidão vou morrer

Sem remédio, sem egrégio.

 

Maria Francisca – outubro de 2023.

 

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 29 de outubro de 2023 

Marcos Alencar, em crônica no jornal” A Gazeta” disse: Nem todas as filas são obra do diabo” e enumerou algumas filas que considerou interessantes.

Ninguém gosta de filas, eu sei, e eu também não gosto.

Já Cândido Urbano, de Carlos Eduardo Novaes, era um urubu que queria ser gente e  foi informado  pelo Velho Noé, o homem malcheiroso (“do ponto de  vista dos homens”, segundo Cândido), que a primeira experiência que deveria passar seria entrar numa fila. E uma fila bem grande. E um dia, desolado, por não encontrar emprego na cidade,  lembrou-se do velho e foi em busca de uma fila, “porque todo homem que se preza, já entrou numa fila”.

E não há escapatória, mesmo, nos dias atuais.  Aonde se vai, há fila. Nas ruas, filas e filas de carros (haja paciência!), nos supermercados, idem, nos pontos de ônibus, nem se fala…

Outro dia, a fila dos idosos no supermercado estava insuportável. Como sempre,  é a mais lenta. Demoram para encontrar o cartão, para ver se  o preço está certo no monitor, resolvem conversar com o caixa etc. Quanto mais idoso, mais a fila demora.

Era tanta gente que muitos embarcaram noutra fila.

A propósito, vi uma reportagem sobre a redução da fatia da população com menos de 30 anos. Menos da metade do povo brasileiro é composto por jovens. Os filhos aguardam a consolidação da carreira e, portanto, ter filho fica para mais tarde. Essa atitude acaba por diminuir a quantidade de crianças nascendo. Um amigo, à minha pergunta se não tinha netos, respondeu, rindo: meus filhos abriram o parque de diversão e fecharam a fábrica. Era uma brincadeira, claro, mas parece ser verdadeira essa assertiva, porque por todos os lados há idosos.

Pois bem. Na fila para a qual muitos migraram no supermercado,  havia vários idosos. Era daquele tipo de caixa a que pode passar  apenas quem tem até 10 volumes.

Nesse ambiente, escutar conversa sobre idosos acaba por ser um assunto engraçado.

Como demorava muito, muitos conversavam, riam, contavam casos etc.

Uma senhora começou a reclamar. “Que coisa! Esse povo não tem um pingo de respeito. Uns vêm para essa filha com um monte de pacotes e a moça do caixa, passa assim mesmo, nada diz e nós ficamos aqui, esperando, esperando. Por outro lado, precisavam colocar mais caixas de idosos. Vejam esta filha: tem mais velho do que tudo”.

Um senhor olhou pra ela e fechou a cara. Pensei: Lá vem briga, mas ficou nisso.

Ela arrematou: O que mais tem em Itapuã  é velho e cachorro.

Foi a conta de todos começarem a falar ao mesmo tempo.  Virou uma confusão, até que veio um senhor, tipo um chefe daqueles posudos e abriu outro caixa.

Eu ria a mais não poder, acompanhada de mais três senhoras e, por isso,  demoramos a terminar a nossa compra, pois tivemos que entrar de novo na fila.

De tanto que ri, acabei concordando com Marcos Alencar. Nem toda fila é infernal.

E tome fila…

Maria Francisca – Final de outubro de 2023.

 

 

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 18 de setembro de 2023 

“O censor em mim saúda o censor em você.”

Giovana Madalosso

De vez em quando, ouço alguém falar que não lê isso ou aquilo ou que não assiste a determinados canais de tv, ou ouve alguma emissora de rádio, ou mesmo lê determinado um livro.  E, pior, se você fala que lê, vê ou ouve os criticados, é um susto: Nossa! Tem coragem? Ou, pior: Estão “enfiando” ideias em sua cabeça.

Se a pessoa é minha amiga, converso. Explico: leio de tudo que penso valer a pena, da mesma forma, assisto a tudo, mas não “engulo” o que leio. Tenho senso crítico e aprendi desde criança a avaliar as minhas leituras. É ficção? É real? De onde vem isso? É novo?  De que lado está esse escritor/escritora?  É fanático? Porque todos sabemos que tudo depende de nossa vivência. De nossas relações com o mundo. De nossa educação.  Como diz Leonardo Boff, “todo ponto de vista é a vista de um ponto”.

Dependendo do “implicante”, calo-me. Vou discutir com quem quer apenas impor seu ponto de vista?

Às vezes, faço-me de boba. Ah! Não se pode ver esse canal? Por quê? Qual posso ver? Qual é bom? Ah! Esse canal que fala isso e aquilo? Vou ver, então. A pessoa fica satisfeita e me deixa em paz.

Quando falam de política, então, fujo, não quero tratar de política. Ninguém discute sem paixão. E acaba ofendendo quem não concorda com suas ideias, por mais estapafúrdias que sejam. As ideias são dele, ninguém pode “roubá-las”. Se alguém tenta fazer algo diferente dele, é xingado, odiado…

Aqui entra a questão do Narciso.

A sociedade moderna fez com que “o espelho se tornasse o principal acessório do eu e a condição primeira de nosso processo de individualização. Eu, minha sombra, torna-se agora uma equação a três termos: sombra, minha e eu. É a sombra e o sentimento de propriedade sobre ela”, disse o Psicanalista Christian Dunker,  (24.05.2022), na Folha.

O pior de tudo, na dicção do Psicanalista, é que o Narciso moderno precisa que o vejam. Daí vem o sentimento de dominação em relação a quem o vê.  Como ele não consegue escutar, quem o ignora passa a ser seu inimigo. Eu conquistei alguns assim.

Carlos Heitor Cony (A casa do poeta trágico) conta a história do lorde inglês e seu mordomo James.  Os dois estavam diante do janelão, olhando a paisagem da verde  Inglaterra, quando James, hierático, ao lado da cadeira de rodas onde ficava seu amo e senhor, disse, para dizer alguma coisa: ‘”Acho que teremos chuva, my lord“. O lorde continuou olhando a paisagem, mas colocou as coisas em seu devido lugar: “Não, meu caro James. Eu terei a minha chuva. Você terá a sua chuva”’.

Então, fico com minha chuva, e deixo a dos outros para os James da vida, como disse Cony.

 

Maria Francisca – setembro de 2023

 23 de agosto de 2023 

Não sei se falo ou se calo.

A indecisão me maltrata

 Em meio à noite resvalo

 Calar é ouro, falar é prata.

 

(Indecisão. “Sal, pimenta e ternura”)

 

 

Se nossas escolhas se limitassem no falar ou calar, como na estrofe do poema em referência, tudo seria muito fácil. Mas, na vida, há questões que causam até síndrome do pânico.

“Um dia é um tribunal incansável de decisões. A liberdade é uma condição dos humanos. Escolhemos sempre. Das questões mais distraídas aos assuntos que decidem vidas. Um médico escolhe o melhor tratamento. Um juiz escolhe os argumentos que fundamentarão sua decisão. Um motorista escolhe o caminho, e um padeiro o jeito de fazer o pão e alimentar. Um político escolhe entrar ou não em guerra. Mandela escolheu não revidar. Escolheu pacificar”. Disse Gabriel Chalita, no discurso de posse no PEN Clube do Brasil.

Sim. Uma das questões que sempre corroeram a nossa mente foi a indecisão. Quem deixou de fazer algo, com medo de não dar certo e ficou pensando depois: eu deveria ter feito isso e aquilo. E se tivesse sido assim?

Diz Natalia Ginzburg, citada por Julián Fuks, que o traço característico dos jovens, hoje, é a indecisão. E atribui esse estado de coisas aos pais, por não transmitirem firmeza aos filhos. Será?

Na escolha do curso superior, os jovens sofrem. Hoje, com algumas profissões em decadência, está cada vez mais difícil sentir firmeza na escolha. Escolho hoje, faço o curso que está em alta para empregos. Termino o curso e eis a profissão “engolida” por outra…

Suassuna, numa aula magna em evento de juristas, disse que escolheu fazer Direito, sem ter a mínima vocação, porque, na sua época, era difícil. Teria que estudar Direito, Medicina ou Engenharia.  Era o que existia. E ele não tinha aptidão para nenhum dos cursos. Então, optou por Direito.

E assim costuma ser: Ou se estuda o que se tem, ou fica sem estudar. Seja por falta de oportunidade, seja por ausência de aptidão. Até saber qual a aptidão, é uma indecisão atrás da outra.

Eu sempre digo que, quanto a profissões, não fiz escolhas. Fui escolhida, sempre, mas é certo que as oportunidades surgiram e eu as acolhi. Então, se era aquilo ou ficar no marasmo, preferi seguir o que se apresentou.

Quando estamos em dúvida sobre dois caminhos a seguir, tememos perder, de acordo com a escolha. Ainda que fosse para querer tudo, ou não querer nada, haveria escolha. E sempre perdemos uma das opções.

Certa vez fiquei numa batalha para saber o que fazer. Trabalhava oito horas diárias,  e fui convocada para um curso fora da cidade. Mas eu estudava. Se perdesse duas semanas de aula, perderia duas matérias, porque a matrícula era por disciplina e cada matéria durava uma semana inteira.

Conversei com o psicólogo da Faculdade. Ele, calmamente, me disse: Você terá que optar. Não tem como fazer as duas coisas, tem? Opção é isto: você sempre ganha algo e perde algo. Não se pode ter tudo na vida. Só não vai chorar depois…arrematou.

Aprendi. Em seguida, senti-me envergonhada da pergunta  idiota.

Dúvidas também têm escritores com obrigação diária com textos para publicação, contam: muitas vezes, olham a tela do computador e ficam ali, olhando, olhando, sem saber o que escrever. Isto ou aquilo.  Pior é quando nada aparece no intelecto. Julián Fuks confessa: Passo horas lendo distraídas mesquinharias e, quando por fim me sento para escrever, quando enfim me ponho a explorar profundezas, a superfície intocada da página só me devolve desdém.

Sir Henry Cole (interpretado por Patrick Stewart) no filme “A última nota”, à pergunta: “Qual seria a sua vida se tivesse feito outras escolhas? Respondeu: “Não seria minha vida!”

Quem dera todos pudéssemos realizar escolhas tão certeiras!

Mas para nós, pobres mortais, restam escolhas, por simples que seja o caminho a seguir.

E vamos em frente, pensando, como Cecília Meireles: “Ou isto ou aquilo”?

Maria Francisca – maio de 2023.

 14 de julho de 2023 

No tempo dos e-mails, recebi um vídeo que mostrava uma cena interessante. Um gari sobre um caminhão de lixo, cantava e dançava, agarrado à beira do caminhão. O trânsito intenso, o veículo ia devagar, e o homem naqueles gestos engraçados, chamou a atenção de uma moça que passava na calçada. Aí foi que ele fez mais graça. Surgiu um galho de flores, não sei de onde, e o gari fazia gestos, como se fosse dar as flores para a moça, enquanto dançava. A moça distraiu-se e bateu com a cabeça num poste.  Malvada, eu ri a mais não poder.

Eu sou distraída em algumas horas. Se eu começar a ler algo, perco o fio da meada. Fico fora do mundo. Ou, melhor, fico no mundo da leitura. Outro dia, por exemplo, tive um cuidado enorme para preparar umas torradas mais incrementadas. Coloquei uma forma enorme no forno e fui para a biblioteca. Só o cheiro de queimado me fez acordar. Tinha fumaça para todo lado. As torradas viraram carvão.

Uma distração pode causar grandes desastres. Imagine se pegasse fogo em tudo… Eu não ri dessa vez. Fiquei danada da vida, brigando comigo mesma, chamando-me de burra e outros nomes feios.

O que tenho visto de distração…Quase sempre, e as mais engraçadas, são de homens idosos que se distraem, olhando para moças bonitas.

Há pouco tempo, um amigo me disse: Não tenho visto você no calçadão. Eu fiquei com vontade de dizer. Eu vejo você, mas está sempre ocupado admirando as moças bonitas. Mas me limitei a dizer: Talvez os nossos horários não estejam combinando.

Pois bem. Hoje, vi uma dessas distrações que me fez rir, mas, ao mesmo tempo, fiquei com pena. Eu retornava da caminhada, bem cedinho, toda molhada e passou por mim uma moça de roupa de ginástica bem justa, que realçava o belo corpo.

Um senhor vinha pela ciclovia e começou a olhar para a moça, de longe. Ao passar por ela, moveu o corpo para vê-la pelas costas, como sempre ocorre. Foi a conta. Desequilibrou-se, a bicicleta ficou pra lá e pra cá, atrapalhou os outros, e esborrachou-se na calçada. Levantou-se, todo sem graça, e saiu empurrando a bicicleta.

Uma atitude que costuma provocar muita distração é o uso de celular sem medida. O usuário, esbarra nas pessoas na rua, perdem o rumo e a noção do tempo, com o nariz enfiado naquela maquininha.

Como disse Contardo Calligaris (O sentido da Vida), “(…)é que o celular seja um equivalente geral de nossa dificuldade em prestar atenção ao mundo, ou seja, nossa constante distração”. Selfie, então…A pessoa quer imortalizar o evento na memória, mas acaba por imortalizar o momento em que deu as costas para o evento. Não aproveitou nada do que seria o prazer de estar ali, junto com amigos, e prestigiando o anfitrião. Preocupa-se em aparecer e volta as costas para o que tem à frente.

Mas uma distração incrível aconteceu com minha amiga Rosália e seu marido João.   Um parente próximo veio visitar o casal. Depois da boa conversa, do café agradável, Rosalia foi ao térreo do prédio, para acompanhar as visitas que iam embora. Ficou ali uns cinco minutos e retornou.

Não conseguiu entrar. O marido, distraído, esqueceu-se que ela estava fora e trancou tudo. Não escutava os inúmeros chamados, de todos os lados: interfone, telefone dos vizinhos, gritos à porta…

Depois de três horas de tentativas, ela chamou o chaveiro 24 horas… Ufa! Entrou. O marido, tranquilo, assistia a um filme na TV. Ela entrou em casa, danada da vida. Passou por ele, bufando…

E veja o sentimento maior: “Fiquei fora de casa 3 horas e meu marido não sentiu falta de mim…”

Maria Francisca – julho de 2023.

 

 

 




Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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